Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos...
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.
Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo.
Álvaro de Campos
Boa noite..
ResponderEliminarque coincidencia.... tava a ler este poema, e tava mesmo a lembrar de outros poemas que dei de alvaro de campos em portugues este ano.. e é que é mesmo dele..
é realmente um bom poema... gosto muito da simplicidade deste heteronimo... e o seu sensacionismo..
uma boa continuação.
bjo
Coincidência também é que ter sido um dos poemas declamados, na segunda-feira dia 30 à noite, pela Natália Luíza num espectáculo que fui ver no CCB...Beijos!
ResponderEliminarLindo poema!
ResponderEliminarBeijos
Denise
Lindo poema, amo alvares de campo
ResponderEliminarP>S Esses e muitos marcaram minha vida...já estou te seguindo
Por essas e outras que prefiro "esse Fernando"...
ResponderEliminar[]s
Impossível não amar tais palavras...
ResponderEliminarBeijinhos.
Hoje vim por aqui, amigo
As pessoas não se tornam especiais pela maneira de ser ou agir, mas pela profundidade em que atingem nossos sentimentos.
ResponderEliminarBom fim de semana
bjs
"Pedras do lago" gosto, de sobremaneira deste poema da 3ª fase poética de Álvaro de Campos: abulia, neura, cansaço de tudo, insatisfação crescente, a que o Modernismo _Futurismo, afinal, não deu felicidade!
ResponderEliminarAbraço de
LUSIBERO
Sentir não é apenas a felicidade... esta é apenas uma gota de toda a gama a que temos acesso... e só existe, só se sente no seu explendor, quando entrecortada da mais profunda tristeza. E são as pessoas que nos fazem sentir que são o céu e o inferno em que habita a nossa consciência.
ResponderEliminarA insatisfação como apanágio de todo o ser humano.
ResponderEliminarL.B.
Olá Álvaro,
ResponderEliminarprazer em conhecer seu espaço poético e em "te ler "... Agradeço o carinho de sua visita e comentário lá no Sempre Poesia. Gostei muito do seu modo de versejar... A passagem das horas fala de sentimentos profundos, questões existenciais que levam o (a) leitor (a) á reflexão. Grande abraço e até a qualquer momento,
Úrsula
Ainda me deixo surpreender pela(s) escrita(s)de Pessoa porque por mais que se leia um texto ele parece-me sempre novo.
ResponderEliminarA densidade é tal que sempre reparamos em algo que antes tinha escapado...
Gosto particularmente de Alberto Caeiro, mas admito que Campos é um poeta completo.
Um beijo